Lei municipal recém-aprovada permite veto à entrada de ‘veículos estranhos aos moradores’
Entrar em ruas da Barra e do Recreio e se deparar com cancelas é comum. Num processo que começou há décadas, muitos condomínios formados em ruas públicas (oficialmente denominados loteamentos fechados) da região se cercaram, em busca de segurança e maior comodidade. E uma lei municipal promulgada no mês passado poderá reforçar ainda mais esses muros, muitas vezes encarados como um transtorno no caminho de quem não vive nos residenciais cercados e, em alguns casos, também por moradores que não concordam com o fechamento. A partir de agora, as associações poderão pleitear a permissão para vetar a entrada de “veículos estranhos aos moradores”, se as ruas internas não forem vias principais ou de grande demanda. A medida é questionada por especialistas em urbanismo.
A nova lei, de autoria da vereadora Rosa Fernandes (PMDB), foi promulgada após a Câmara Municipal derrubar o veto do Poder Executivo. A motivação foi estabelecer critérios para o fechamento de ruas na cidade, o que já ocorre há décadas. Pela legislação, fica autorizada a interdição do tráfego de “veículos estranhos aos moradores”. Para conseguir a autorização para barrá-los, o loteamento precisa estar em logradouros cujas ruas sejam sem saída ou não sirvam de acesso para avenidas maiores. A circulação de pedestres também pode ser vetada a partir das 22h, sendo restabelecida às 7h do dia seguinte. Com base eleitoral forte na Zona Norte, Rosa Fernandes atendeu, com a lei, à demanda de moradores que sofriam com a violência do entorno.
Uma das associações que já se mostram interessadas na nova lei é a do Barra Bonita. Seu presidente, William Nogueira, diz que pretende colocar grades em alguns pontos do loteamento, onde moram entre dez mil e 12 mil pessoas.
— A lei me interessa muito. O projeto original da construtora contemplava o fechamento das ruas; aqui seria um condomínio. Mas acabou que ficamos com várias áreas vulneráveis. Hoje, se acontece um assalto, há muitas rotas de fuga. Se cercarmos alguns pontos, isso já nos ajudará.
Sem segurança privada, o Barra Bonita tem guaritas, onde há porteiros à noite. Segundo Nogueira, o fechamento das ruas com grades não seria uma medida radical.
— Não vamos impedir o acesso das pessoas — garante o presidente da associação, à qual estão associados dez dos 18 edifícios do Barra Bonita. — Criamos a entidade há cinco anos. Os prédios que não se associaram não consideram nosso trabalho importante, e dizem que a responsabilidade (pelos assuntos tratados) é do poder público.
O Joá teve um dos primeiros casos de associações comunitárias que assumiram a responsabilidade por serviços públicos, como jardinagem e segurança. Criada em 1982, a Sociedade dos Amigos da Joatinga (Sajo) cuida de uma área de nove ruas onde há 150 unidades, na maioria casas, das quais 92 pagam mensalidades à entidade. No local há três guaritas e 42 câmeras, e uma empresa privada realiza o controle dos visitantes.
— Ninguém é barrado. O visitante diz onde está indo e a segurança anota a placa. Tem gente que não quer se identificar, até porque aqui é caminho para a praia (da Joatinga), mas é a minoria. Se for alguém suspeito, ficamos de olho — explica Monica Batista, uma das funcionárias da Sajo.
O poder da associação sobre a área é simbolizado por uma portaria instalada embaixo do Novo Elevado do Joá. A guarita foi realocada, com autorização da prefeitura, no fim do ano passado, e um grande muro ocupou o espaço onde antes era comum ver população de rua.
— Antes, os moradores de rua ficavam ali e brigavam. Também havia problema com uso de drogas. Agora ficou melhor — afirma Monica.
A associação também funciona como uma fonte de comunicação rápida com o poder público. São funcionários da Sajo que recorrentemente acionam Light, Cedae, Guarda Municipal e Secretaria de Conservação quando há necessidade. Um dos problemas ainda enfrentados pelos moradores é o trânsito do verão, devido ao grande número de banhistas que frequentam a Joatinga. A Rua Pascoal Segreto, de mão dupla, fica engarrafada por causa dos carros estacionados nas laterais.
— Nós costumamos acionar a Guarda Municipal, mas os agentes não podem multar onde não há placa de proibido estacionar. Há alguns anos, conseguimos a instalação das placas em uma lateral da rua; agora, falta a outra. O certo é só parar nas 70 vagas que de fato existem no estacionamento (em frente ao clube Costa Brava) — diz Monica.
Por causa dos serviços oferecidos, a Sajo já acionou judicialmente moradores que se recusavam a pagar a cota mensal da associação, cujo valor hoje é R$ 1.620. Marcos Velasco, presidente da entidade, diz que as ações são movidas contra aqueles que de fato usam os serviços:
— Primeiro nós chamamos, conversamos, notificamos. Mas, quando é o caso de pessoas que usufruem frequentemente os serviços e não pagam por eles, acionamos a Justiça. Já houve casos em que vencemos e outros em que perdemos.
O Novo Leblon também conta com uma estrutura financiada pela associação de moradores, o que inclui segurança feita por uma empresa privada. O investimento, porém, não significa solução para todos os problemas deste tipo. No último mês, segundo moradores, houve vários relatos de furtos no bicicletário do clube anexo ao residencial.
Uma das vítimas foi Sabrina Manes, que mora no Mandala, o condomínio ao lado, e frequenta o clube do Novo Leblon, onde seu filho pratica natação.
— Eu sempre vinha de bicicleta. Há um mês, entrei no clube e, quando voltei, ela não estava mais lá. Quando reclamei na administração, me disseram que isso era normal, e naquela semana o meu tinha sido o quinto caso — afirma Sabrina. — A segurança afirmou que não registra mais ocorrências e que as câmeras nas ruas não estão funcionando.
Procurada para comentar o caso, a administração do Novo Leblon não retornou os contatos do GLOBO-Barra.
Diferentes posições na justiça
Polêmicas também marcam o surgimento da Associação da Estrada Capitão Pedro Afonso e Estrada Rio Morto (Assocap-Rio), em Vargem Grande. O loteamento, de cerca de cem casas, é dividido entre as duas estradas e serve de passagem da comunidade Beira Rio para a Estrada de Bandeirantes. Em meados do ano passado, moradores foram comunicados da criação da associação, que cobraria R$ 200 (hoje, são R$ 220) para prestar serviços como limpeza e segurança. A decisão não foi uma unanimidade, o que é comprovado pelo número de associados: 37.
A área já contava com uma guarita há anos, mas os moradores contribuíam com os vigias voluntariamente. Desde o ano passado, a portaria é gerida pela associação, e agora a promessa é de contratação de uma empresa de segurança privada e de melhoria nos serviços de limpeza e jardinagem. Moradores contrários à existência da entidade, porém, acusam seu presidente, Marcos André, de pressionar os vizinhos a pagarem as taxas. Já este responde que investiu seu próprio dinheiro no local.
— Ele diz que, se não pagarmos, vai começar a ter assalto, e que a associação vai valorizar nossos imóveis. Mas, se fechar a entrada, a Comlurb não vai entrar mais aqui. Teríamos que pagar por serviços que já estão incluídos no valor do IPTU — afirma a moradora Maria Ana Neves.
Sergio Pires é mais radical nos seus protestos. Há duas semanas, parou na delegacia após quebrar a cancela instalada pela Assocap. Diz que já quebrou “mais de 30″ e que, se a situação não mudar, quebrará outras mais.
— Cobrar R$ 220 de cada morador é crime de extorsão. O correto seria demolir a cancela, porque não existe respaldo legal para isso — afirma Pires, que critica a lei da vereadora Rosa Fernandes. — Não sei como promulgam uma lei permitindo que alguém explore logradouro público. Segurança é prerrogativa da polícia.
As brigas entre Pires e Marcos André já renderam até um processo movido pelo primeiro por lesão corporal, quando uma discussão, no ano passado, chegou às vias de fato.
Outra notícia que assustou os moradores foi a suposta intenção da Assocap de murar a passagem entre a Beira Rio e a Estrada Capitão Afonso. A presidente da associação de moradores da comunidade, Maria Pergentina, diz que Marcos André teria até lhe avisado sobre a medida.
— Ele diz que é contra o excesso de carros que vêm dos condomínios atrás da comunidade na Pedro Afonso. Nós somos contra o muro, por causa do direito de ir e vir das pessoas. Com a passagem fechada, se alguém precisar ir para o hospital terá que dar uma volta imensa — diz Maria.
Marcos André se defende das críticas. Diz que apenas mandou cartas para os moradores, falando da importância de pagar a taxa, e garante que nunca quis fechar a passagem para a Beira Rio:
— Queremos colocar uma cancela, não um muro. Estamos pedindo autorização à prefeitura para isso. A rua continuaria sendo pública.
Acrescenta que criou a Assocap porque o lugar era “muito desorganizado”. Os custos mensais, diz, são de R$ 10 mil.
— Infelizmente temos que pagar, porque a prefeitura não presta o serviço. O Estado está falido e a polícia não nos atende. Cortamos o mato, fizemos uma pracinha e colocamos um quebra-molas — diz ele, para em seguida justificar o baixo número de associados. — As pessoas gostam de moleza. O valor é irrisório.
A obrigatoriedade de moradores aderirem a associações criadas em condomínios formados em ruas públicas é um tema polêmico e antigo. Nesta terça (11), o presidente Michel Temer sancionou a lei, presente no MP da regularização fundiária, que torna obrigatória o pagamento da cota de associado. Para o advogado Vinicius Monte Custodio, especialista em Direito Urbanístico, porém, o caminho mais provável é que os casos dessa natureza sejam judicializados. Segundo ele, a lei é inconstitucional, baseado em decisões antigas do STF.
Custodio explica que o Judiciário já teve três entendimentos acerca do assunto nos últimos anos. O primeiro predominou até 2005 e concluía pela “proibição do enriquecimento sem causa”, ou seja, todos os moradores teriam que pagar as cotas, pois estariam se beneficiando dos serviços da associação. No fim daquele ano, explica Custodio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o pagamento só deveria ser obrigatório caso a associação já existisse antes de a pessoa ter sua propriedade no local. A posição que predominava até agora era a do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), explicitada num recurso extraordinário de 2011.
— Em seu acórdão, ele disse que a questão não é a propriedade ter surgido antes ou depois, e sim que não existe obrigação legal de a pessoa se associar, pois a liberdade de se associar ou não prevalece sobre o enriquecimento sem causa. Por outro lado, o STJ já decidiu que a pessoa pode ser cobrada por um serviço específico prestado de modo individualizável, ainda que não pague uma cota mensal — explica Custodio.
A decisão do STF, porém, diz o advogado, não teve repercussão geral, ou seja, não precisava ser aplicada pelos outros tribunais do país. Agora existe um novo recurso extraordinário da matéria, a ser apreciado pelo ministro Dias Toffoli, que sinaliza ter a mesma posição do colega.
Em relação à lei da vereadora Rosa Fernandes, Custodio diz que o texto é vago:
— Ele cita, por exemplo, ruas sem saída ou que parecem ser sem saída. Fica subjetivo. No meu entendimento, essa norma não poderia estar fora do plano diretor ou da lei de uso e ocupação do solo, então, acho que é inconstitucional. Porém, o STF, em 2015, considerou que nem toda legislação urbanística municipal deve estar contida no plano diretor. É numa brecha assim que uma lei como a de agora é promulgada.
Fonte: O Globo
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