Com medo de multas, prédios encerram atividades, mas advogados orientam sobre como se defender
Rio – Se a reunião de condomínio já é tensa por natureza, ficou ainda mais naquele que tem academia. Desde janeiro, uma lei que obriga os edifícios com espaços de ginástica a manterem profissionais de educação física aumentou custos, mudou hábitos e forçou diversos prédios a fecharem essas áreas de atividades. Juristas e entidades alegam que a determinação é inconstitucional e orientam os condôminos a garantirem seus exercícios.
As academias nos prédios passaram de praticidade a dor de cabeça para os moradores no início do ano. Foi quando entrou em vigor a Lei 8.070/18, que prevê a presença de professores de educação física nos condomínios com tais espaços – projeto que flexibilizava a lei foi derrubado pela Alerj na última quinta. Foi esta obrigatoriedade que encerrou um projeto antigo de um conjunto de 70 casas em Várzea das Moças, em Niterói.
O sonho de uma academia para os moradores foi interrompido em fevereiro passado, quando um fiscal do Conselho Regional de Educação Física da Primeira Região (CREF1) autuou o local. Isso apenas cinco meses depois de o condomínio ter conseguido concluir e abrir um pequeno espaço para ginástica, com esteiras, bicicletas e outros aparelhos.
“Os moradores estavam apaixonados. Pessoas que não se exercitavam mais se encontrando no espaço, fazendo exercícios, emagrecendo, idosos caminhando. Foi uma onda de saúde que durou pouco e teve investimento alto. Foi um misto de tristeza e revolta”, lamenta a engenheira e síndica Andrea Notini, 50 anos.
Com os aparelhos novos pegando poeira, os condôminos ainda vão decidir o futuro da sala: se contratam um profissional, se recorrem da decisão ou desistem do projeto. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Niterói, contudo, orienta os conjuntos a não tomarem decisões extremas, como a de abrir mão de suas academias.
Segundo o delegado da Comissão de Direito Imobiliário do órgão, Sérgio Itagiba, o condomínio que receber uma notificação deve imediatamente procurar um advogado e ajuizar ação anulatória de ato administrativo. Ao mesmo tempo, deve entrar com liminar para que a eficácia da penalidade seja suspensa até o julgamento do processo.
“O fechamento da academia não é recomendado, porquanto as ações do CREF-1 estarão baseadas em uma lei inconstitucional e, consequentemente, todos os atos praticados pelo conselho profissional com base nessa lei serão considerados nulos de pleno direito”, aconselha Itagiba.
A justiça foi o caminho que um condomínio de prédios em Santa Rosa, Niterói, trilhou depois que sua academia foi fechada, também em fevereiro. O conjunto de 157 apartamentos entrou com ação judicial que está em tramitação.
“É área comum de moradores, propriedade privada, não tem que haver regulamentação por lei estadual. O conselho não tem nenhum tipo de atribuição para dizer o que acontece na propriedade particular das pessoas”, desabafa o advogado e síndico Daniel Marques Frederico, 37 anos.
O Sindicato da Habitação (SecoviRio) também considera a lei inconstitucional e orienta os condomínios a buscarem seus direitos. O vice-presidente jurídico da entidade, Alexandre Corrêa, diz que não se pode comparar a academia de condomínios como uma atividade empresarial.
“Academias estão sujeitas a regras próprias, dentre as quais ter as atividades sob a orientação de um profissional. Contudo, tal situação não existe nos condomínios. O mais comum é a existência de um espaço, provido ou não de equipamentos, para uso do morador. Neste caso, sem aula dirigida, não há qualquer irregularidade passível de autuação ou multa pelo CREF”, diz Corrêa.
Estudo do Secovi aponta que, com a lei, as taxas condominiais de conjuntos com espaços de ginástica ficarão, em média, 16% mais caras.
CREF1 alega que medida protege vidas
Por meio de e-mail, o vice-presidente do CREF1, André Fernandes, diz que a lei tem como objetivo garantir a segurança de quem pratica exercícios. Para o professor, a presença de um profissional de educação física registrado no conselho garante a segurança e a qualidade da atividade.
“A prática do exercício sem orientação aumenta em muito as chances de lesão osteomuscular e o risco de morte. Quanto vai custar para o condomínio a indenização de processos como esse?”, questiona.
Fernandes também alega que há uma confusão em relação à legislação e que a presença do profissional em ambientes onde há a prática de exercício físico já é exigida por Lei Federal (9696/98).
“O que se determina é que esses espaços se registrem no CREF1, assim como nomeiem um responsável técnico. No intuito de proteger a sociedade e assegurar a qualidade da prática do exercício, se torna importante que os condomínios se organizem. Não temos dúvida de que os condomínios vão ganhar muito com essa nova lei”, defende.
Banho de água fria
A esperança de muitos condomínios para manterem suas academias livres de autuações foi esfriada pela Alerj na última quinta (27). Em sessão extraordinária, os deputados fluminenses derrubaram o Projeto de Lei (PL) 226/19 que flexibilizava a Lei 8.070/18 e a obrigatoriedade de professores de educação física nos ambientes de ginástica de prédios.
O PL de autoria dos deputados Coronel Salema (PSL) e Alexandre Freitas (Novo) teve apoio da OAB de Niterói e de síndicos da cidade. Apesar da derrota, tanto os parlamentares como a entidade de advogados prometem voltar com a questão em agosto, após o recesso da casa em julho.
“Durante o recesso eu e minha equipe vamos trabalhar para reapresentar o projeto com outros termos, acatando alguns argumentos que foram contrários nessa votação. É um assunto de interesse da população”, adianta Salema.
A OAB Niterói também vai tentar novo entendimento sobre assunto e promete dialogar com todos os setores, entre eles o CREF-1. A entidade quer mobilizar síndicos e outras organizações. “Vamos minimizar os méritos da inconstitucionalidade da lei para debater o assunto”, diz Marcelo Funes, presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB.
FONTE: O Dia
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