Primeiramente, é importante observar que o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) é regulamentado por lei específica, a Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. A referida lei, em substituição à legislação penal anterior, de 1976, trouxe uma grande modificação quanto ao tratamento e à responsabilidade do usuário de drogas.
O que muitos não sabem é que, diferentemente do que é dito e falado, o consumo pessoal de drogas não deixou de ser crime, estando ainda previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2006 e classificado como crime.
A grande diferença da legislação anterior e que leva, erroneamente, a muitos acharem que ocorreu a descriminalização do uso pessoal de drogas consiste na modificação das penalidades ao referido crime.
Na legislação passada, o usuário de drogas incorria na mesma tipificação penal do “traficante”, sujeito a uma pena-base de reclusão de 3 a 15 anos. Atualmente, contudo, a lei faz a distinção de quem adquire, guarda, tem em depósito ou transporta consigo, para consumo pessoal, drogas ilícitas, e, embora seja crime, não mais sujeita o agente à pena privativa de liberdade, mas sim à: 1) advertência sobre os efeitos das drogas; 2) prestação de serviços à comunidade; 3) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
O falecido jurista e professor Luiz Flavio Gomes, professor doutor em Direito Penal pela Universidade de Madri e mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), entendia que: “A posse de droga para consumo pessoal, do ponto de vista formal, transformou-se (com a nova lei de drogas, Lei 11.343/2006) numa infração penal sui generis (art. 28), que não comina pena de prisão. Para o Supremo Tribunal Federal (STF), trata-se de um crime punido com penas alternativas (STF, RE 430.105-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence).”
Dessa forma, o ponto de partida para adotar qualquer medida com relação ao “uso de drogas ilícitas” por alguns condôminos é saber que tal ato configura um crime, sendo certo que somente o Poder Judiciário pode condenar um cidadão pela prática de crime.
Considerando tal situação no âmbito da relação civil do direito condominial e de vizinhança, o morador acusado do uso de drogas não pode ser punido pelo condomínio estritamente relacionado com esse fato, pois, repita-se, por se tratar de crime, a penalidade pela sua prática é dever do Estado.
Assim, aplicar qualquer penalidade ou mesmo advertência em que se mencione aquisição, uso, guarda, cultivo de plantas ou qualquer outro ato vinculado aos tipos penais previstos na Lei 11.343/2006 pode gerar um revés ao condomínio e a seu representante, na medida em que configura acusação de crime, que, na hipótese de não haver plena comprovação material do fato, pode, inclusive, ensejar a alegação, pelo condômino, da prática do crime de calúnia, que consiste na imputação falsa de fato definido como crime.
Dessa forma, caso existam denúncias da prática de crime com mínimas comprovações de sua veracidade, o mais prudente é a comunicação à autoridade policial de tal fato, que tanto pode ser feita pelo síndico como por qualquer condômino ou pessoa que saiba ou tenha presenciado o fato, ainda que não possua nenhuma relação direta ou indireta com o condomínio.
Por outro lado, “fechar os olhos” para tais acusações por se tratarem de crimes e, portanto, de dever do Estado, não configura medida recomendável, pois, dependendo da veracidade das acusações e do volume de drogas ilícitas, o poder Judiciário pode desclassificar a tipificação penal do consumo pessoal e até mesmo condenar determinado morador pela prática de crime de “tráfico de drogas”, previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006. E se for constatado que o condomínio, por meio de seus representantes legais, tinha conhecimento de tais acusações e nada fez (ou seja, não procurou a autoridade policial), dependendo dos fatos do caso concreto, seu representante pode até mesmo ser inserido como partícipe no crime imputado ao morador, em razão de sua omissão quanto aos fatos levados a seu conhecimento, que pode ser interpretada como ato que concorreu para a configuração reiterada do crime.
Por outro lado, muitas vezes, a acusação do uso de drogas por determinado morador ou visitante está associada a diversos outros fatos que podem ser considerados violadores aos direitos dos condôminos, previstos no artigo 1.336 do Código Civil, enquadrando-se, muitas vezes, como um condômino antissocial, destacando-se o dever de “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não utilizá-las de maneira prejudicial ao sossego, à salubridade e à segurança dos possuidores ou aos bons costumes”.
Assim, além da comunicação do fato à autoridade policial para investigação e adoção das medidas cabíveis relacionadas com o crime, caso exista, pode o síndico aplicar advertência e penalidades, em razão da prática de atos que configurem atitudes antissociais, como mau cheiro advindo da unidade, barulhos, interações com agressividade com os vizinhos, atos de vandalismo e demais ações que possam estar ligados ou não ao uso de substâncias entorpecentes, ilícitas ou não.
É importante, por fim, observar que caso decida-se por aplicar advertências ou penalidades, que não seja apontado que estão se dando em razão de uso, guarda, venda ou qualquer outra atividade relacionada com drogas ilícitas, mas, sim, por condutas antissociais que são passíveis de punição, seja por previsão na convenção, seja pela aplicação do artigo 1.336, §2º, do Código Civil, e, no caso de prática reiterada, do artigo 1.337 do mesmo diploma legal.
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