Um condomínio de luxo no bairro de Perdizes, em São Paulo, obteve recentemente decisão judicial para expulsar um casal de médicos que, além de xingar moradores, chegou a agredir fisicamente o síndico, além de outras pessoas – incluindo uma idosa. A sentença foi dada pela 16ª Vara Cível de São Paulo.
Apesar de a pena de expulsão não estar prevista em lei, a Justiça tem aceitado, em casos excepcionais, aplicá-la contra os chamados condôminos antissociais. A medida vale para casos em que o comportamento do morador, proprietário ou locatário, ultrapassa todos os limites do aceitável, tornando quase impossível a convivência.
No caso do casal de médicos, foram várias queixas. Na garagem do prédio, agrediram fisicamente um morador, que ficou acuado com a família dentro do carro. A agressão foi filmada pela filha. Além disso, o casal deixou som em volume alto, na área de serviço, para protestar contra supostos barulhos de vizinhos.
Depois de muitas reclamações, boletins de ocorrência, imposições de multas, o condomínio decidiu, em assembleia realizada em 2015, tomar medida judicial para remover o casal. A decisão teve a aprovação de 31 dos 32 presentes.
A postura do condômino antissocial é prevista no parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil. O dispositivo prevê apenas multas, que podem chegar a dez vezes o valor do condomínio para aquele que atentar contra o sossego, a segurança, a saúde e os bons costumes dos demais moradores. Em outros países, como Argentina, Espanha, Alemanha, Suíça, México e Guatemala, a pena de expulsão está estabelecida em lei.
Sem previsão legal para a medida, o juiz Felipe Poyares Miranda, da 16ª Vara Cível de São Paulo, em um primeiro momento, negou liminar para o condomínio. Porém, os desembargadores da 38ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) anularam a decisão.
Por unanimidade, os desembargadores entenderam que a imposição de multas seria insuficiente para algumas situações. Acrescentaram que não haveria em lei proibição para excluir condôminos em casos extremos.
Posteriormente, na sentença (processo nº 1002457-23.2016. 8.26.0100), o juiz Felipe Poyares Miranda considerou que havia fartas provas documentais dos diversos episódios de agressões verbais e físicas do casal. “Restou devidamente comprovada a conduta antissocial, por todas as desavenças com os demais moradores, pelo ambiente de temor criado no prédio, pelas ameaças e agressões proferidas pelos réus”, diz na decisão.
Para o juiz, ainda que não exista previsão legal para a expulsão, a jurisprudência e a doutrina entendem pelo seu cabimento como medida excepcional e extrema. Ele determinou a saída do casal no prazo de 60 dias, a contar do trânsito em julgado da ação (quando não couber mais
recurso), sob pena de remoção forçada. A decisão ainda impede o casal de interfonar para moradores e de ligar o som alto na área de serviço.
O advogado do condomínio, Fauaz Najjar, do Liserre & Najjar Sociedade de Advogados, afirma que ficou surpreso ao participar da assembleia em 2015 e ouvir os relatos contra o casal, que já havia sido multado algumas vezes. Como o condomínio custa cerca de R$ 3 mil e as multas já estavam em torno de R$ 30 mil e mesmo assim não havia solução, ele propôs o ajuizamento de uma ação de exclusão de condôminos, “o que alguns acharam ideia de maluco”.
“Trata-se de um caso excepcional, de muita extremidade, e que pode servir de precedente para casos graves”, diz o advogado. Segundo ele, apesar do direito de propriedade estar assegurado pelo artigo 5º da Constituição, o proprietário não pode fazer o que bem entende, sem respeitar a coletividade.
O caso ainda está pendente de recurso no TJ-SP. Procurado pelo Valor, o advogado do casal informou que não poderia se manifestar sobre o processo.
Em outro caso analisado pelo TJ-SP, os desembargadores determinaram a exclusão de uma moradora que promovia festas particulares frequentes em seu apartamento em Osasco (SP). Ela não se importava com as reclamações e chegava a dividir o valor da multa imposta pelo condomínio entre os convidados (apelação nº 0003122-32.2010.8.26.0079)
Segundo a decisão da 2ª Câmara de Direito Privado, “o direito não pode manter-se inerte, pelo contrário, impõe-se a pacificação desse conflito mediante a atividade jurisdicional”, uma vez que as multas previstas no Código Civil não servem para cessar a conduta ilícita.
Também na capital paulista, uma moradora de um edifício na zona norte foi expulsa de seu apartamento. No caso, não cabe mais recurso. A 7ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP entendeu que havia “prova irrefutável acerca da conduta antissocial e agressiva” e que os condôminos “não mais suportavam a conduta da ré, que se mostrava anormal às regras de convivência em sociedade, devendo ser reprimida” (apelação nº 0135761-28.2008.8.26.0000).
O advogado da área imobiliária Luís Rodrigo Almeida, do Viseu Advogados, afirma que as decisões tratam de casos nos quais ficou demonstrado que não havia mais como conviver com os moradores. Os condôminos, acrescenta, foram advertidos, notificados e multados diversas vezes e nada resolveu. “No condomínio vai ter sempre o festeiro, o folgado da garagem, mas essas decisões são para casos excepcionais”, diz.
Apesar de não haver previsão legal que determine a exclusão do condômino, o advogado Helder Moroni Câmara, do PMMF Advogados, afirma que o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece que, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. E a solução para esse tipo de situação, acrescenta, está na Constituição. O artigo 5º diz que todos são iguais perante a lei, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. “O direito de propriedade do condômino não pode atentar contra a liberdade e segurança dos demais.”
FONTE: Valor Econômico
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