Da privacidade aos exageros, problema requer cuidado ao ser tratado nos condomínios
A qualquer hora, todas as semanas, em um prédio no Flamengo, ouve-se o eco de tapas seguidos de gemidos altos. Os vizinhos já sabem que, pelas próximas horas, haverá muitos gritos e cenas explícitas de sexo, pois a moradora costuma praticar suas atividades rente à janela. Fetiche, voyeurismo ou apenas descuido? Não se sabe. O fato é que, assim que começam os primeiros sinais, o interfone toca. É algum vizinho reclamando do alto volume e exposição. Alguns já acionaram o síndico que, por sua vez, não sabe como lidar com a situação.
Não tão longe, no Méier, um casal foi visto fazendo amor na varanda, de madrugada. Alguns viram e não gostaram, e sobrou para o síndico resolver a pendenga. Do outro lado da cidade, na Barra, houve até um caso em que uma placa foi colocada na piscina para que os mais apaixonados se segurassem e evitassem amassos mais fogosos.
Quem nunca ouviu o ranger dos pés da cama do vizinho de cima de madrugada? Ou nunca foi o responsável pelo barulho, atormentando o morador debaixo? Um gemido aqui, um vulto ali ou um amasso no play acolá são situações corriqueiras para quem vive em comunidade. O problema é quando estes episódios isolados se tornam frequentes e exagerados, causando conflitos e desgastes na convivência.
Estes são alguns dos casos ouvidos pelo Morar Bem, sem identificar os condomínios ou moradores, sobre o infortúnio de compartilhar os momentos de intimidade alheio. A orientação, de uma forma geral, é conversar. No entanto, o assunto é espinhoso para ser tratado dentro dos condomínios e requer alguns cuidados tanto na abordagem como na ponderação do conflito – assim como há moradores que exageram na performance sexual, há aqueles que fazem o mesmo na reclamação.
Primeiramente, é importante lembrar que conflitos deste tipo devem ser tratados como problemas de barulho ou comportamento inadequado. O que cada um faz dentro de casa está fora de questionamentos e julgamentos.
O advogado Hamilton Quirino esclarece que, no caso dos barulhos, não existe a rigor uma lei do silêncio, mas um conjunto de normas federais, estaduais e municipais. E, ainda, independentemente desses dispositivos legais, diz ele, há as convenções e os regulamentos dos condomínios, que vetam a prática de barulho excessivo, com multa.
Acerca do comportamento inadequado, Quirino explica que tanto o Código Civil quanto as normas internas trazem punição ao comportamento antissocial ou nocivo, com pesadas multas, o que também pode desaguar no Judiciário. No fim das contas, vale sempre o bom senso.
COMO RESOLVER
Segundo o diretor de Condomínios da CIPA, Claudio Affonso, este tipo de situação costuma acontecer nas áreas de menor circulação ou em horários mais vazios em piscinas, ofurôs, salões de festas, salas de cinema e escadas. O ideal é falar com o morador, apresentando as evidências e uma testemunha, que pode ser o subsíndico ou um conselheiro. Vale também avisar que, no caso de reincidência, os envolvidos poderão ser multados e inclusive sofrer sansões penais.
— Esta é uma situação mais delicada de ser tratada e a recomendação que damos ao síndico é conduzi-la por meio de uma conversa com o morador, informando de forma mais genérica sobre perturbação da lei do silêncio. Já para os casos que ocorram durante o dia, o assunto deverá ser tratado de forma direta com muita sutileza, para que não haja constrangimento — orienta.
Entre os casos que já chegaram até eles, Affonso conta que teve um episódio em que um funcionário do prédio foi flagrado em pleno ato sexual no banheiro do play com a empregada de um dos apartamentos. E teve outra em que um casal foi pego fazendo sexo dentro do carro, no estacionamento, durante o dia. No primeiro caso, ele foi demitido e ela, advertida. No segundo, o síndico fez uma advertência por escrito e o caso não voltou a acontecer.
Em outro episódio, durante uma festa de adolescentes que acontecia no play, o síndico viu pela câmera um casal de jovens se conhecendo (bem) melhor no elevador. A mãe da moradora foi advertida verbalmente.
Já o advogado Armando Miceli acredita que a melhor abordagem seja por escrito, apenas relatando a reclamação do outro morador, solicitando que sejam tomadas as providências para evitar novas queixas. Ele também destaca que a discussão não é sobre o sexo em si, mas o volume do barulho e o comportamento inadequado.
— A avaliação deve ser regulada, como tudo em um condomínio, pelo bom senso. Os barulhos do sexo devem ser considerados como uma conversa ou um som ligado. Ninguém pode ficar gritando ou com o som nas alturas, de forma reiterada. Da mesma forma acontece no sexo. Se o casal fizer um escarcéu, deve ser notificado e multado pelos incômodos. Um eventual excesso de sensibilidade do denunciante deve ser levado em consideração pela administração do condomínio, na hora de ponderar se notifica ou não o suposto infrator.
Em relação à área comum, Miceli defende que, mesmo de forma silenciosa, deve-se sofrer sanções. — O casal tendo relações no quarto ou em um cômodo com a janela aberta, não há como punir. Agora, a prática de forma ostensiva, abrindo a cortina no meio da relação ou praticando na varanda, procurando se exibir para terceiros, deve ser punida.
Já o advogado Armando Miceli acredita que a melhor abordagem seja por escrito, apenas relatando a reclamação do outro morador, solicitando que sejam tomadas as providências para evitar novas queixas. Ele também destaca que a discussão não é sobre o sexo em si, mas o volume do barulho e o comportamento inadequado.
— A avaliação deve ser regulada, como tudo em um condomínio, pelo bom senso. Os barulhos do sexo devem ser considerados como uma conversa ou um som ligado. Ninguém pode ficar gritando ou com o som nas alturas, de forma reiterada. Da mesma forma acontece no sexo. Se o casal fizer um escarcéu, deve ser notificado e multado pelos incômodos. Um eventual excesso de sensibilidade do denunciante deve ser levado em consideração pela administração do condomínio, na hora de ponderar se notifica ou não o suposto infrator.
Em relação à área comum, Miceli defende que, mesmo de forma silenciosa, deve-se sofrer sanções. — O casal tendo relações no quarto ou em um cômodo com a janela aberta, não há como punir. Agora, a prática de forma ostensiva, abrindo a cortina no meio da relação ou praticando na varanda, procurando se exibir para terceiros, deve ser punida.
O OUTRO LADO
O fato é que tais situações, embora comuns, são difíceis de serem tratadas, justamente porque sexo é um tema polêmico e que pode causar desconforto e conflito, especialmente dentro dos condomínios. Quirino chama a atenção para outro ponto. Se de um lado moradores têm direito ao sossego, por outro, também têm direito à privacidade.
Segundo ele, por viver em comunidade, com paredes cada vez mais finas e vulneráveis ao vazamento de sons, todos devem tem alguma cautela.
— Ninguém vive em mosteiro, mas deve-se saber que do lado da outra parede, ou acima, ou abaixo, moram crianças pequenas ou idosos, alguns doentes. Então, temos que ter respeito mútuo e conviver com o princípio da razoabilidade — afirma, reiterando que, no caso de gemidos e outras manifestações relativas ao sexo, os vizinhos têm que ver os dois lados da questão.
— A vida condominial é baseada no princípio do dever e do direito: o de um acaba quando começa o do outro. O equilíbrio entre o direito dos vizinhos e a interferência na vida privada do casal constitui o cerne da questão, e o desafio dos síndicos e dos juízes é enfrentar o problema.
Fonte: O Globo, 7/01/2018
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