Era por volta de uma da manhã quando, ao lavar sua louça em casa, a estudante Inês (o nome foi alterado a pedido da entrevistada), ouviu socos na parede, vindos do apartamento ao lado. Em seguida, iniciou-se uma série de insultos, proferidos contra ela por supostamente estar fazendo barulho fora da hora.
“Ele me xingou dos nomes mais baixos possíveis”, conta a jovem de 23 anos, moradora do Centro do Rio de Janeiro.
A relação com o vizinho de porta, com quem ela havia apenas cruzado no corredor algumas vezes, inevitavelmente acabou azedando. “Depois, soube que isso já havia acontecido com outras pessoas, que relataram episódios de agressividade e até ameaças”, relata. Sentindo-se vulnerável, ela registrou um boletim de ocorrência por injúria.
O caso aconteceu em meados de 2016 e, mesmo após a retirada da queixa pela estudante, ainda gera um sentimento de incômodo para as duas partes. “Ele parou de incomodar, mas sempre fico com receio, até mesmo por morar sozinha. Não há uma convivência em si”.
O caso não é isolado. Fatos corriqueiros, que acabam suscitando reações desproporcionais, são velhos conhecidos de quem mora em condomínio e provavelmente todo mundo viveu ou conhece quem tenha vivido um conflito de vizinhança. A psicóloga Lidia Levy estudou esse fenômeno a partir de processos que tramitavam em um juizado criminal do Leblon.
Em meses de trabalho de campo, ela conta que o que mais chamou a atenção foi a necessidade de demandar a um juiz “a solução de discordâncias comumente encontradas no cotidiano das relações interpessoais”.
“É comum o comentário de que morar em condomínio é como um casamento forçado. Nesse sentido, as diferenças (entre relações de família e de vizinhança) costumam ser mais gritantes e a necessidade de entendê-las e suportá-las é mais urgente. Supõe-se que, entre amigos e familiares, morando na mesma residência, o afeto gere maior tolerância – embora isso nem sempre ocorra”, explica a especialista.
Mas que medidas tomar quando somos alvo do ódio provocado por um barulho de louça, latidos, televisão ou por um automóvel mal estacionado?
Segundo o estudo conduzido por Lídia com a também psicóloga Eva Jonathan e o juiz Luis Gustavo Grandinetti, a sanção criminal só deve ser usada em casos extremos. “Sugere-se que os desentendimentos entre vizinhos possam ser tratados de maneira mais adequada com um trabalho de mediação de conflitos”.
Se o diálogo voluntário entre as partes envolvidas na situação não for possível, ressalta Lídia, recorrer a um terceiro pode ser uma alternativa. “No caso dos conflitos entre vizinhos, o síndico é certamente o primeiro mediador a ser buscado”.
Alguns especialistas, no entanto, levam em conta que não é função do síndico apaziguar problemas vividos pelos moradores, exceto nas áreas comuns ou quando o incômodo chegar a mais de duas unidades. Uma intervenção inadequada por parte dele pode, por exemplo, ensejar uma ação de dano moral contra o condomínio. Por isso, é preciso avaliar cada caso e evitar agir no calor do momento.
Mas se, em alguns casos, o exercício da tolerância nem sempre é possível, alguns exemplos mostram que, com um pouco de criatividade e uma pequena dose de cooperação, dá para driblar os problemas de convivência. Foi o que viveu a atriz Isabele Marinho, moradora da Tijuca. Em janeiro, ela se surpreendeu com um recado carinhoso vindo de uma vizinha identificada como Fernanda.
Em uma carta, Fernanda contava que alguns moradores do condomínio estavam organizando um abaixo-assinado para obrigar Isabele a se livrar de sua cadelinha Prada, de três meses. “Filhotes realmente choram no início e é muita intolerância pedir que você se desfaça dela”, relatava.
“Uma alternativa que encontrei é oferecer a minha casa para que ela fique nos dias em que você for passar muito tempo fora. Meus irmãos estão sempre em casa, então, tendo companhia, talvez ela chore menos”.
A imagem da carta foi compartilhada no Facebook de Isabele e, até o fechamento desta edição, contava com pelo menos 5 mil compartilhamentos e outras milhares de mensagens de apoio ao gesto. “É por culpa das Fernandas da vida que eu não desisto”, brinca Isabele na legenda. Final feliz para Isabela, Fernanda, os vizinhos e a pequena Prada.
Para a psicóloga Lidia Levy, é difícil dar uma dica geral para quem precisa solucionar um problema com o vizinho. “Orientações desse tipo não costumam funcionar. Cada um deve poder dar conta de seu limite”. Uma das alternativas disponíveis atualmente é recorrer à Câmara de Mediação do Secovi Rio, que busca solucionar, de maneira extrajudicial, problemas envolvendo o universo imobiliário.
No caso dos vizinhos, apresentar-se diante de um mediador neutro e construir, juntos, uma solução pode ajudar até mesmo para que não fique aquele clima de constrangimento. “Os benefícios da mediação estão na solução mais rápida e menos onerosa do que o processo judicial e no fato de ela ser construída pelas próprias partes, o que possibilita a manutenção de seu relacionamento interpessoal”, explica o vice-presidente jurídico do Secovi Rio, Rômulo Cavalcante Mota.
O reestabelecimento das relações parece, de fato, o maior desafio para vizinhos que já se desentenderam. Afinal de contas, em determinadas brigas, o estrago feito pode impedir para sempre uma convivência harmônica, que leve em conta os interesses comuns entre as partes.
A palavra “tolerância” vem do latim tolerare – acolher alguém, ser suporte, ser indulgente. O conceito pressupõe que há, sim, uma diferença cultural entre as partes, mas que é possível trata-la como aceitável. E que tudo bem ser diferente.
Não por acaso, vale recorrer ao chamado “deboísmo”, uma palavra mais recente, mas com um significado parecido. A “corrente filosófica”, surgida na internet em 2015, prega a propagação de um estilo de vida mais “de boa”. E conta até um ensinamento simples, mas bastante eficaz para quem quer aderir: “Respeitarás a Mãe Terra, pois ela já estava de boa muito antes de você existir, e não farás com os outros aquilo que não gostaria que fizessem com você”. E você, já ficou de boa hoje?
Fonte: Revista Secovi Rio
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